Alice Silva




O dia amanheceu, e a expectativa daquela viagem não me agradou muito. Uma sensação estranha me remetia a um dia tenso. O retorno não seria fácil: aeroporto lotado, tempo nublado, chuvas previstas. Já no início do vôo, atraso na decolagem, turbulência: comandante se desculpando, e pedindo paciência. 
- Quieto, filho, já vai passar - disse a mãe à criança de cabelos encaracolados que choramingava com medo na poltrona à minha frente. 
Mãe, sabe como é, engole o medo e tenta tranquilizar o filho. Fiquei pensando se seria a primeira vez que a criança voava, desejando que não. 
comissária de bordo dando bastante atenção ao passageiro de assento especial, rapaz bonitão, com voz de locutor. Nem percebe a senhora do lado oposto, que tem os lábios arroxeados e passa insistentemente uma pequena toalha na testa molhada de suor. Crise de pânico se instalando... 
Levanto-me e lhe ofereço bala de gengibre, que ela aceita e aproveito para dizer que está tudo bem, que ela fique tranquila. 
Parece que funciona, e ela me devolve um sorriso meia boca. A companhia aérea fica me devendo essa - penso. O passageiro ao meu lado me lembra Gandhi: moreno, careca, óculos redondos de metal dourado. Veste uma camisa de linho larga que me lembra um indiano. Ele parece alheio a tensão que está se instalando: manuseia o celular, e quando percebe que eu tento manter a calma folheando uma revista, me mostra a mensagem que acabou de mandar para a esposa. Rimos muito, é muito engraçado o que ele escreve, mas vou resistir e não vou expor: ele me faz um sinal de boca calada, que eu respeito. 
Nosso riso incomodou o passageiro logo a minha frente, que olha para trás nos censurando. A comissária de bordo agora passa ligeiro pelo corredor, direto para o banheiro, que está pedindo uma higienização. Muitas passageiros usando o compartimento. O cheiro de desinfetante provoca náuseas, é bem forte.
A turbulência não passa, e começo a pensar: será que chegou minha hora? Estamos voando em círculos, e aguardando a comunicação da torre de controle sobre como proceder, havendo a possibilidade de retornarmos ao aeroporto de onde partimos. 
Passageiros resmungam, ouvem-se palavrões. A fragilidade e arrogância do ser humano se manifestando numa situação em que quer controlar a natureza, e não é capaz de segurar a própria flatulência, impregnando o ar com seu fartum no  reduzido e desconfortável espaço do pássaro de aço. 
Fecho os olhos para ver, num breve momento, o que de melhor vivi nos últimos dias. Respiro o ar da montanha: o perfume das acácias e lavandas com seu frescor, a beleza das avencas  e samambaias beirando as cachoeiras. 
Agradeço a Deus a oportunidade de conhecer lugares tão lindos, que superaram minhas expectativas. E retorno com a mensagem do comandante, nos informando que a turbulência passou, e temos autorização para o pouso da aeronave. 
Uma expressão de alívio toma conta de todos. Mas muitos ali, assim como eu, tem mais uma jornada até o destino final. Pela frente, mais um aeroporto lotado, voos atrasados, encontros marcados pelo destino. Nada por acaso.

Alice Mara Barbosa da Silva, 61 anos, araçatubense, formada em Administração de Empresas;  Integra a coordenação do Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras e participa pela primeira vez de coletânea. alicemara356@gmail.com    

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