quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Expectativa x realidade - Alice Silva (*)



Sempre gostei de viajar, e não tem jeito: muita expectativa vou criando à medida que a viagem se aproxima. É um sentimento bom, que dá asas à minha imaginação.

Muitas experiências são positivas, e vou relatar aqui uma que foi para mim uma surpresa agradável, inesperada. O destino era Corumbá-MS, e ia passar por Campo Grande, no mesmo estado, pretendendo passar um dia lá antes de seguir ao destino final.

Lembrei-me de uma prima de minha mãe, que para lá se mudou, e dela não tive mais notícias. Nos seus guardados, minha mãe tinha uma caixa enorme de fotos antigas, e lá estava a foto de casamento dessa prima. Aquela foto clássica, preto e branco, antiga: o noivo todo pomposo, e ela vestida de noiva, vestido de renda, feito pelas mãos de minha querida mãe, exímia costureira. Atrás da foto, a dedicatória, como era de costume, agradecendo a realização do seu sonho para aquele grande dia.

Quarenta anos haviam se passado, desde que minha mãe, sem pensar duas vezes, arrancou a cortina branca de renda da sua sala, lavou, e fez com ela o vestido de noiva que sua prima não tinha condições de comprar.


Vai daqui, vai dali, consigo o contato da prima e ligo. Ela me atende e quando digo de quem sou filha, se derrete, me oferece hospedagem, quer saber da minha mãe, se mostra feliz em me receber. E lá fui eu, afinal, e já fui avisando que lá ficaria só um dia, e depois seguia para o meu destino.


Combinamos que alguém iria me buscar no aeroporto, e que nos identificaríamos pela roupa. “O meu motorista está de calça jeans, bota, camisa xadrez azul, chapéu.” Um autêntico fazendeiro! - pensei. Expectativas à parte: era o próprio fazendeiro, sim senhor.


A prima se casou com o filho do fazendeiro: era empregada doméstica na casa da família. Foi difícil a família dele aceitar, mas não teve jeito.


Os dois se apaixonaram, e ele estava disposto a ser deserdado, caso fosse impedido de se casar com ela. Sem eira nem beira, a moça não tinha recursos nem para o vestido, que minha mãe sabiamente providenciou.


De volta ao aeroporto, eis que fomos apresentados e seguimos para a casa dos meus parentes desconhecidos. Ele todo simpático, já foi me mostrando alguns pontos turísticos da cidade, e me avisando que só um dia não: vai passar uns dias aqui com a gente. A casa deles, num belo condomínio, era muito grande e luxuosa. Fui recebida por ela num afetuoso abraço. Muitos empregados circulando, todos uniformizados, um café da tarde maravilhoso me aguardando e eu ali, surpresa e meio perdida. A realidade muito além de minhas expectativas.


Com pouco tempo de conversa, já dava para sacar que os dois estavam muito bem, filhos já criados, três, já estão longe de casa. O velho ditado que diz que sorte no dinheiro, azar no amor, parece que ali não se aplicava. Foi mesmo difícil manter meu cronograma, mas no dia seguinte segui para o meu destino, levando um belo presente do casal para minha mãe, com a promessa de voltar em breve. Realidade?


Voltei não. De vez em quando falo com eles, e fico feliz em saber que estão bem. Como dizia meu pai, que sempre ajudou os parentes que precisassem: “parentes distantes são os melhores”.


*Alice Silva, escritora, secretária do Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras





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